Pela 1ª vez desde 2001, uma boy band é headliner de um festival brasileiro. O que isso significa?

Pela 1ª vez desde 2001, uma boy band é headliner de um festival brasileiro. O que isso significa?

Backstreet Boys no The Town: 5 motivos para ter uma ‘boy band’ no topo de um line-up
Pela primeira vez em quase 25 anos, uma boy band será headliner de um grande festival brasileiro. Os Backstreet Boys são a atração principal do The Town no dia 12 de setembro.
O quinteto americano tem mais de trinta anos de carreira. Veio ao Brasil pela última vez em 2023, quando se apresentou em São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte — shows em arenas e estádios, prova de que a força de AJ, Howie, Nick, Kevin e Brian vai um pouco além de mera nostalgia.
Mas não foi sempre assim. Eu vi as boy bands serem (muito) ridicularizadas. O auge desse preconceito veio no fim dos anos 90, quando o rock de Limp Bizkit, Korn e outras bandas entre o new metal e o rap rock fizeram do desprezo às boy bands uma espécie de “atitude de rebeldia”.
Nos festivais daqueles tempos, especialmente no Woodstock 99, a imagem dos garotos que cantavam sobre amor era usada como piada. Aquela hostilidade era o retrato de uma cultura que valorizava a agressividade masculina e olhava com desdém para qualquer artista ou produto com público predominantemente feminino.
Os Backstreet Boys em foto recente e em imagem da fase ‘Millennium’, de 1999
Divulgação
Dez anos depois, isso voltaria a acontecer com os filmes da saga “Crepúsculo”, achincalhados não por serem ruins, mas por serem um produto associado principalmente a jovens mulheres.
No Brasil, as boy bands também lidaram com insultos e penaram para conseguir vagas em line-ups de festivais. Em 1991, o Rock in Rio recebeu o New Kids On The Block. A escalação da boy band naquela edição do Maracanã não pegou nada bem entre a maioria roqueira fã do festival. A banda também não ajudou: o show foi mambembe, com coreografias e playback mal ensaiados.
Em fevereiro de 2000, foi a vez da boy band Westlife ser atração principal de um dos dias do Festival de Verão de Salvador. O grupo irlandês apresentou versão reduzida do show da turnê mundial “Dreams Come True Tour”, apelidada de “The No Stools Tour” (A Turnê Sem Banquinhos), por conta da fama de se apresentar sentada em banquinhos.
Em 2001, o Rock in Rio viveu o dia mais “Pop in Rio” de sua história. Britney Spears, NSYNC e Sandy & Junior se apresentaram. A reação negativa foi parecida: bases pré-gravadas, coreografias e um público adolescente foram motivos para ridicularizar aquela edição.
Quem mais sofreu, porém, foi Britney: parte do público vaiou quando a dublagem em uma das músicas ficou óbvia (“Lucky”) e foi possível ouvi-la xingando a produção após perrengue ao trocar de figurino. O show do NSYNC passou meio em branco e, no fim, quem saiu vencedor naquela noite foi Sandy & Junior, com um show superintenso, considerado bem menos artificial do que os das outras atrações.
Em turnê na China, em 2013, os integrantes do Backstreet Boys posam com filhotes de ursos panda gigante
Reuters/Stringer
Foi a partir daquela edição que o Rock in Rio começou a virar não apenas um festival, mas também um parque temático. Essa ideia de ir além da música surgiu em 2001, muito por conta do dia de sons adolescentes.
Roberta Medina, executiva do festival carioca e do The Town, já lembrou ao g1 que o perfil do público que foi ver aquele dia pop era muito jovem. E eles pareciam querer mais do que meia dúzia de shows.
“Com aquele dia em 2001, começamos a enxergar que a gente podia acolher outro público”, explicou Roberta. “A evolução da Cidade do Rock e os investimentos dos últimos anos trouxeram mudanças no comportamento da plateia e do perfil de público.”
Roberto Medina, criador dos dois eventos, também falou ao g1 sobre a diversidade das atrações que sempre esteve presente nos line-ups do Rock in Rio e do The Town. “A escolha das atrações não é só minha, ela é baseada em pesquisas e no que o público deseja”, ele explicou. “Procuramos dividir por faixa etária e por estilo musical, mas nem sempre conseguimos fazer do jeito que gostaríamos.”
É óbvio, mas vale lembrar: os festivais são um negócio. Se o dia fechado pelos Backstreet Boys no The Town tiver seus ingressos esgotados, não vai ser surpresa se o grupo voltar ao evento e for convidado para estrear no Rock in Rio. Afinal, por que você acha que o Guns N’ Roses tocou tantas vezes no festival?
“Se eu trouxer de novo o Guns, a mídia vai dizer que o Axl não tem mais voz, muitas pessoas podem reclamar, mas vai lotar outra vez. Eu respeito muito quando você passa a ir além da sua música e se torna uma entidade”, contextualizou Roberto.
Brian Littrell, AJ McLean, Nick Carter, Kevin Richardson e Howie D formam os Backstreet Boys há 25 anos
Divulgação
O público que cresceu ouvindo sucessos como “I Want It That Way” e “As Long as You Love Me” amadureceu, ganhou poder aquisitivo e lota arena: incluindo 28 shows em uma residência na Sphere, um dos espaços mais modernos e cobiçados do mundo, em Las Vegas.
As coreografias que eram motivo de piada são vistas agora como uma forma de celebrar o passado. O refrão que era chamado de “música de plástico” pelo vocalista do Limp Bizkit virou patrimônio afetivo.
Hoje, o festival The Town pode se arriscar e colocar os Backstreet Boys no topo de um line-up. O Rock in Rio também poderia, mas convive com críticas de quem insiste em lembrar que o festival tem Rock e não Pop no nome.
Ter os Backstreet Boys como atração principal do The Town significa mais do que nostalgia. Significa que os grandes festivais brasileiros estão reconhecendo cada vez mais a música pop adolescente dos anos 90 e 2000 como parte essencial da história da cultura pop. Significa que gostar de boy band deixou de ser vergonha.
Quando os cinquentões e quarentões do grupo subirem ao palco do Autódromo de Interlagos, muitos fãs verão o show como uma consagração de um estilo que sobreviveu a chacotas.

JORNALCONECTADO