Após ‘trauma’ sobre emendas, Câmara discute ‘superpoderes’ para líderes partidários sobre presidências de comissões

Após ‘trauma’ sobre emendas, Câmara discute ‘superpoderes’ para líderes partidários sobre presidências de comissões

Minuta de proposta que foi levada às lideranças prevê que líderes indiquem e destituam presidentes. STF agora exige que indicação dos recursos seja aprovada nos colegiados. Passado o Carnaval e de olho nas indicações de emendas, a Câmara dos Deputados deve focar nesta semana na discussão de uma nova mudança no regimento interno.
A principal alteração está na forma como os presidentes e vice-presidentes das comissões serão indicados: a ideia é que os líderes partidários sejam responsáveis por indicar os nomes que vão assumir o comando de cada colegiado.
Câmara e Senado: fachada do prédio do Congresso Nacional na Esplanada dos Ministérios no dia 4 de julho de 2017
Edilson Rodrigues/Agência Senado
O poder do líder, segundo a minuta do projeto em discussão pelas lideranças à qual a GloboNews teve acesso, vai além: ele poderá destituir o parlamentar da presidência da comissão a qualquer momento, sem respeitar o mandato de um ano previsto atualmente.
🔍Hoje, o regimento exige que estes cargos sejam “eleitos por seus pares” e “com mandato até a posse dos novos componentes eleitos no ano subsequente”.
Atualmente, ainda que a liderança de cada partido sugira um nome, o parlamentar precisa passar por uma eleição interna em cada comissão para ser escolhido presidente. Se eleito, ele tem um ano de mandato na presidência ou vice-presidência da comissão.
As duas previsões são retiradas na proposta que está sendo discutida. A mudança, na prática, dá um “superpoder aos líderes partidários”, nas palavras de um deputado.
“Além da função de líder, ele será praticamente o próprio presidente da comissão, já que vai poder trocar o presidente a hora que quiser, se a condução estiver desagradando”, diz este parlamentar.
O texto final deve ser apresentado pela Mesa Diretora e votado pelo plenário da Casa. A ideia dos parlamentares é aprovar a proposta antes da instalação das comissões para o próximo ano, que deve acontecer nos próximos dias. Por isso, o projeto pode ser aprovado ainda nesta semana.
Pela minuta, presidentes de comissões como de Constituição e Justiça da Câmara poderão ser destituídos pelos líderes partidários.
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Emendas são a razão
Segundo líderes partidários que participaram das discussões, a mudança vem após um “trauma” rondar a Cúpula da Câmara sobra a indicação da emendas parlamentares de comissões, que representam R$ 11 bilhões e não são divididas igualmente por cada parlamentar.
No fim do ano passado, o então presidente da Comissão de Integração Nacional, José Rocha (União-BA), escancarou uma manobra feita por líderes e pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que esses recursos fossem repassados às bases sem passar por aprovação nos colegiados.
A crítica de Rocha foi uma das motivações de uma nova suspensão das emendas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, na semana passada, o STF decidiu liberar os recursos com algumas condições – entre elas, que as emendas de comissão sejam aprovadas pelos colegiados. Por isso, os líderes e a Cúpula da Câmara querem garantir nomes de confiança no comando das comissões.
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Na justificativa da minuta do texto, a Mesa diz que, com as mudanças, “busca-se conferir maior relevância às decisões tomadas pelo Colégio de Líderes e valorizar o trabalho das Comissões”.
Contudo, reservadamente, alguns parlamentares veem com preocupação as alterações e dizem que dar tanto poder aos líderes nas comissões seria “acabar com esses colegiados”. Um líder disse “se estivesse no chão de fábrica, iria se insurgir” contra a proposta.
“Hoje, estou na condição de líder. Mas quando o projeto chegar ao plenário, basta um ou dois discursos na tribuna contra o texto, explicando o que ele faz e qual poder dá aos líderes, que acho que o plenário vai contra”, disse ele, sob reserva.
Outras mudanças
A proposta traz outras mudanças no regimento. Uma delas é a exigência de que projetos que tramitem em regime de urgência aprovado no plenário sejam votados em até 180 dias.
Na gestão de Arthur Lira, criou-se um costume de votar a urgência de projetos para agradar uma ou outra bancada, ainda que muitos projetos ficassem esquecidos.
Foi o caso, por exemplo, do projeto que equiparou o aborto acima de 22 semanas ao crime de homicídio, que teve sua urgência aprovada para agradar a bancada evangélica, mas nunca foi votado.
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Segundo a minuta apresentada por líderes, se um projeto com urgência não for votado em 180 dias, ele perde o regime e volta à tramitação normal.
Outro ponto que está em discussão é o fim da exigência de leitura da ata da reunião anterior nas comissões. A medida costuma ser utilizada por parlamentares que queiram atrasar a discussão de alguma proposta polêmica ou da qual discordem.
O texto também retoma a previsão, extinta em 2021, de suspensão das sessões da Câmara pelo presidente da Casa, desde que não se estenda para o dia seguinte. Na avaliação de alguns técnicos, a regra também se aplica às comissões e deve permitir que os colegiados suspendam a reunião no início da ordem do dia no plenário e a retomem à noite.
Embora tenham poder de mudar o rito de algumas matérias na Câmara, essas alterações foram chamadas de “cortina de fumaça” ou “perfumaria” por alguns líderes, que dizem que o objetivo fundamental com a proposta é modificar o formato da indicação das presidências das comissões.

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