Planet Hemp lamenta ‘sequestro da causa’ da liberdade de expressão por ‘pessoas que querem volta da ditadura’

Planet Hemp lamenta ‘sequestro da causa’ da liberdade de expressão por ‘pessoas que querem volta da ditadura’

A banda Planet Hemp percorre dez capitais do Brasil, entre setembro e novembro, com a turnê ‘A última ponta’
Willmore / Divulgação
O Planet Hemp nasceu com gritos pela liberdade de expressão em um Brasil recém-saído da ditadura. Após 30 anos, a banda se despede satisfeita com o legado artístico, mas pessimista pelo que vê como “sequestro” desta pauta por pessoas que, no fim, querem o oposto: a volta da ditadura militar.
A partir de setembro, o Planet Hemp começa sua turnê de despedida. Intitulada “A Última Ponta”, a série de shows começa por Salvador, no dia 13 de setembro, e termina no Rio de Janeiro, em 13 de dezembro. A banda vai passar também por outras capitais: Recife, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Goiânia, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo.
Em 1995, eles viraram ídolos de uma juventude que cresceu vendo o país ser silenciado em uma ditadura, mas que já experimentava a liberdade de falar o que pensava sem tanto medo.
Foi assim que Marcelo D2, Skunk, Rafael, Formigão e Bacalhau se reuniram para dar voz a uma juventude que ainda não encontrava espaço no mainstream. Sem saberem o que estava construindo, o Planet Hemp ajudou a criar um rap que tinha mais a ver com a cara do Rio de Janeiro.
“O Planet foi muito importante nessa parada de fazer um estilo de rap genuinamente carioca. Isso é muito importante dentro do próprio movimento do hip-hop, porque a tendência sempre era ficar parecido com São Paulo”, explica B Negão, integrante que chegou à banda depois da morte de Skunk (1967-1994).
“A gente queria fazer um som completamente diferente e somar pela diferença”, continua B Negão, sendo complementado por Marcelo D2: “pela diversidade”. Segundo eles, essa diversidade interna ajudou a consolidar a sonoridade única da banda.
“Essa diversidade dentro do Planet Hemp é muito interessante. A gente tem pessoas completamente diferentes, que torna a banda interessante para o grande público também”, diz D2.
Política e contracultura
“A gente veio de um momento pós-ditadura, [Brasil] começando a abrir, falando sobre as coisas e refletindo muito dos nossos mestres do underground”, lembra B Negão. Para os músicos, esse peso político ainda acompanha a cena cultural atual.
“Essa anistia que aceitaram lá atrás está f*** a gente agora. Essa galera está no comando até hoje”, continua o artista.
Durante todo o tempo em que a banda esteve ativa — e mesmo nos períodos de hiato — o Planet sempre cutucou feridas de um país que, apesar de curtir a música que eles faziam, ainda se sentia acuado pelo medo das memórias da ditadura, segundo D2.
Um reflexo disso foi a prisão do grupo inteiro em 1997, acusados de apologia às drogas durante um show no Rio de Janeiro, justificado pelas letras que falavam sobre o consumo de maconha. O primeiro disco do grupo se chama “Usuário” e contava com hits como “Legalize Já”, que se transformou em uma espécie de hino pela legalização e regulamentação da venda e consumo da erva.
A maconha sempre esteve no centro da obra do grupo, mas o discurso, segundo eles, vai além da polêmica. “Para brancos, ricos, que moram em condomínios, a maconha é legalizada; para o resto, não”, diz D2.
O episódio daquele ano marcou a história da banda e é lembrado até hoje quando artistas enfrentam acusações semelhantes.
“A parada do Poze (do Rodo) teve esse lance de apologia num primeiro momento e aí eles viram que isso, de repente, nem iria colar, inclusive por conta de todo o debate que já tinha acontecido em relação ao Planet há quase 30 anos”, afirma Daniel Ganjaman.
A investigação que prendeu Poze do Rodo apontou que as músicas do artista faziam apologia ao tráfico de drogas e ao uso ilegal de armas de fogo, além de incitar confrontos armados entre facções rivais.
Segundo os artistas, o discurso está muito ligado à onda conservadora que invadiu o país nos últimos anos. “Os conservadores do Brasil são muito engraçados. Eles são envolvidos com tráfico de drogas, com golpe militar, que falam da família brasileira e não honram a própria família”, comenta B Negão.
“E aí os caras vêm com uma pauta moral, sendo que não seguem nada daquilo”, continua.
Depois de anunciar o fim da banda, o Planet Hemp prepara turnê de despedida pelo Brasil
Liberdade de expressão
“O Planet falava de liberdade de expressão no pós-ditadura. Agora, os filhotes da ditadura militar dizem que querem liberdade de expressão para pedir a volta da ditadura”, opina B Negão.
Os artistas criticam como esse discurso foi deturpado nos últimos anos. “Sequestraram as nossas causas, agora essa galera usa liberdade de expressão para cometer crime. É um olhar elitista para o mundo”, diz D2.
Legado aceso
Marcelo D2 resume o espírito do grupo: “Nada nos foi dado”. A banda, que alcançou o mainstream com um discurso contundente e provocador, encerra a carreira mantendo a mesma intensidade.
“A gente tem uma garra e uma vontade que as coisas aconteçam fortes para c***”, afirma D2. “Queremos acreditar em alguma coisa diferente, mesmo em um momento em que estamos desacreditados demais”, acrescenta D2. Ele destaca que essa postura mantém vivo o legado do grupo.

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